VIDA DE ARTISTA É CALVÁRIO
Os foliões que estavam se divertindo naquela pacata cidade de Quixelô-CE, em fevereiro de 1998, não chegaram sequer a perceber que por trás daquele microfone do cantor carnavalesco estava um ser humano a cada segundo provando que vida de artista é calvário. Dois músicos da minha banda foram convidados pelo cantor icoense, Pedim Bossal, para fazerem parte da orquestra que estava animando o carnaval de rua: O maestro trompetista José Renato da Nóbrega e o saxofonista Renner Nogueira, de São João do Rio do Peixe da Paraíba. Nesse ano eu não estava promovendo bailes carnavalescos. Então no domingo à tarde resolvi visitar a cidade de Quixelô, onde a administração municipal estava realizando um dos maiores carnavais do interior do Ceará. Lindo o cenário. Um palco de ferro com o teto coberto de lona plástica, uns 10.000 wats de som, o experiente Pedim Bossal comandando a folia acompanhado por uma grande orquestra. Tudo isso num clima de paz e de alegria. Na frente do palco uma multidão superanimada dançava, pulava, repetia as coreografias dos axés da Bahia e interagia com nosso querido Pedim quando ele dizia: Aê, aê, aê, ô, ô, ô, ô, ô... Era a coisa mais linda. A empolgação era tão grande que Pedim Bossal nem estava se lembrando de um tumor desse tipo “maria-preta”, que tinha aparecido debaixo da pá, nas costas dele. Duas injeções. Uma folha de corama com aquela pomada fenergan para ajudar a puxar o carnegão desse tumor. Tudo isso para tornar a dor suportável. No centro de uma área avermelhada/inflamada de aproximadamente 10 centímetros, localizada entre a pá e a espinha dorsal, era visível um olhinho amarelo, porém muito massificado, duro e longe do ponto para se espremer. Eu estava no camarim conversando com a turma e vi quando Pedim levantou o braço para vestir a camisa. Meus amigos ele fez uma careta que os olhos ficaram cheios d’água. E enquanto se contorcia com aquela dor infeliz, ele dizia: "Já viu que zebra... Um tumor desse logo em pleno carnaval... Eu só não cancelei os show’s porque a prefeitura não encontrou outra orquestra... Mas só Deus sabe a dor que eu estou sentindo", Galera... Uns pinicões nas costas que parecem ferrões de abelhas...O lado profissional acima tudo. Para o público não interessa a dor do artista. O público quer alegria, quer diversão. E era isso que Pedim estava procurando fazer naquele palco. Pedim sempre gostou de criar personagens. Para essa temporada ele encarnou o Bel da Banda Chiclete com Banana. O cabelo estava penteado do mesmo jeito. A roupa era o mesmo manequim que Bel tinha aparecido no fantástico da Rede Globo. E as botas, feita de couro de jacaré. Pense numa coisa linda. Parece que eu estou ouvindo Pedim conduzindo a multidão: “Eu sou do Pelô... Na ladeira do Bonfim... Vou ver meu amor...” Na verdade ele nasceu e se criou na Bacia do Açude de Lima Campos, quando meu grande amigo, Sr. Antonio Ferreira, pai dele, era irrigante naquela localidade. Mas sobre o palco alguns artistas procuram se passar por baianos para ganhar a confiança da galera. São Pedro acreditou que mandando chuva iria mudar aquele quadro. Que nada. Aí foi que a multidão ficou animada. E a chuva pegou pesado nessa tarde-noite de domingo no carnaval de Quixelô. Choveu cerca de 80 milímetros em pouco mais de 3 horas. A noite chegou. A iluminação pública se acendeu. Também foram ligados todos os canhões de iluminação da banda.Gerando uma grande expectativa para o público e para os colegas da banda De repente Pedim mudou o ritmo da dança e parou de cantar e de conduzir a multidão. Acreditem: ele ficou deitado no piso do palco, de barriga prá cima, acenando com os dois braços e com as duas pernas e girando o corpo, rodando. Juventude adora novidade. Quem estava assistindo aquela cena aguardava ansioso o momento em que Pedim fosse ensinar uma nova dança, um novo passo baiano.Nada disso. Ele ficou por uns 3 minutos girando deitado no palco e sem largar o microfone que estava usando. A demora foi tão grande que o Maestro Renato se perguntou: Que passo novo de dança seria essa que teria feito Pedim não sentir o tumor “maria-preta” nas costas. Se ele estava girando o corpo no piso do palco, com certeza deveria estar disfarçando uma grande dor.Com um olhar mais investigativo o maestro Renato detectou que a língua de Pedim estava presa no céu da boca, razão pela qual ele tinha parado de falar e de cantar.Todos os músicos pararam seus instrumentos. Silencio total. E Pedim continuou girando no piso do palco, todo molhado, e acenando com os braços e com as pernas. Assistindo de perto aquela cena o maestro Renato sugeriu: "Rápido, alguém desligue o som. Parece que Pedim está eletrocutado, está preso nesse microfone. O tecladista que também era o mesário da banda correu e desligou a tomada da eletricidade. Nesse exato momento Pedim se livrou do microfone, botou um palmo de língua prá fora, deu um grito, se levantou brabo querendo brigar até com o vento, e soltou o verbo: "Vocês não viram que o microfone estava me dando choque não, magote de covardes?" Passou uns cinco minutos extravasando sua raiva. Como não houve nenhuma reação por parte dos colegas ele foi se acalmando.Um copo d’água... Um calmante... E o público lá querendo carnaval... O mesário inverteu as tomadas para evitar um novo incidente... Tudo pronto para recomeçar...Foi quando o maestro Renato se aproximou de Pedim e disse: "Sua camisa está toda melada... Tire... Deixe-me ver suas costas"Que felicidade gente... Depois da tempestade a bonança... Naquele movimento girando sobre o piso do palco o tumor “maria-preta” de Pedim tinha estourado... Ficou saradinho... Até o carnegão emergiu...
Do Livro: João Dino, Histórias, Estórias, Crônicas e "causos".
Por: João Dino
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