terça-feira, 25 de dezembro de 2012

TOLERÂNCIA ZERO


“Seu Lunga”, personagem de Juazeiro do Norte-CE, é realmente um caboclo enfezado, principalmente quando perguntas imbecis lhe são dirigidas. Porém humoristas e cordelistas de pouca criatividade e imaginação, cortejados pela mídia, tem multiplicado por dez as suas proezas. Conheço dezenas de passagens atribuídas a Seu Lunga que na realidade aconteceram com outros personagens de outras cidades - Esse tipo “Seu Lunga” existe em todos os lugares.Um conterrâneo meu, cujo apelido é “Antonio Pelado” sempre foi rotulado de bruto, enfezado, grosso, mal educado etc. E muitos casos verdadeiros de episódios pitorescos, dessa natureza, surgiram tendo como personagem “Pelado de Icó”. É assim que os amigos o chamam. Motorista de caminhão, hoje aposentado, Pelado displicentemente, naquelas ruas estreitas do centro de Recife-PE, em 1969, conduzindo um caminhão trucado, com uma carga no limite de peso do veículo, entrou numa contramão. O guarda do DEMUTRAN acionou o apito com aqueles dois silvos breves e fez sinal para que “Pelado” parasse o caminhão. Em poucos segundos se formou aquele gigantesco engarrafamento. Buzinas por todos os lados. Gritos de motoristas mal educados esculhambando: Munheca de Pau, Barbeiro, Cego, Domingueiro, Burro, Jumento, Veado, Corno, Filho de Quenga etc. Pelado permaneceu na cabine do caminhão enquanto dialogava serenamente com a autoridade. O Guarda lhe perguntou: “E agora?” Ele respondeu: “Eu vou seguir até o final da rua e depois conversaremos...” O Guarda: “Pode não...” Pelado: “Então autoridade, tente retirar os carros que estão atrás do caminhão para eu dar marcha à ré...” O Guarda: “Pode não”. Pelado, aparentando muita calma ,desceu do caminhão, travou a porta, e foi saindo. O Guarda então levantou a voz e perguntou: “Prá onde o Senhor pensa que vai?”Pelado respondeu: “Vou juntar trabalhadores com picaretas, enxadas e pás para escavar um buraco bem grande aqui e enterrar esse caminhão”. Outra vez, Pelado estava suado, cansado, trocando o pneu do caminhão de propriedade de Mambeca, ano de fabricação 1946, que carregava lenha para a padaria de Ruberto, quando surgiu do seu lado o menino que mais sabia encher o saco do povo fazendo pergunta besta. O nome desse menino era Bocoió de Assis Félix. Ao perceber a presença de Bocoió acocorado ao seu lado, Pelado disse: “Fique mais distante... Você pode se machucar... Lembre-se do ditado: Perto de quem come e longe de quem trabalha..” Sacar o pneu, remendar a câmara de ar, embeiçar novamente, encher com aquelas bombas antigas até completar 100 libras era um serviço que demorava cerca de uma hora e meia, se o borracheiro fosse bastante forte e resistente.E todos os dias os pneus desse caminhão se furavam. Era um verdadeiro sacrifício trabalhar de motorista nesse carro de Mambeca. Para ligar o motor de manhã, o ajudante ficava girando aquela antiga manivela de ferro (Os carros antigos não eram dotados de motores de arranque). E a manivela do caminhão de Mambeca tinha um pino que travava de vez em quando. Quando o motor entrava em movimento, ela ficava enganchada girando na velocidade do motor, quebrava o braço do ajudante, sempre no mesmo lugar. Todos os ajudantes desse caminhão tinham as cicatrizes dos braços quebrados, uma, duas, três vezes. Meu compadre Damião Bocão foi o campeão: Quebrou o braço direito três vezes e o esquerdo duas. E nesse tempo não existia gesso nem essas anteninhas metálicas de hoje em dia não. Dr. Walfrido Monteiro e Padim Eduardo da Farmácia colocavam pedaços de tábuas para imobilizar o braço. O caboclo passava três meses tomando mastruz com leite, até o osso do braço emendar e ficar no ponto de quebrar de novo.Bocoió entrou em cena e perguntou: “Ei Pelado, como chama esse tubo de encher pneu?” Com o olhar atravessado ele respondeu: “Bomba de Ar...” Bocoió escutou, ficou com um pedacinho de pau riscando o chão, pensou, e disse: “Papai tem duas.". dessas..”Pouco tempo depois: Como chama esse pedaço de ferro com esse pé-de-bode na ponta? Pelado respondeu: “Espátula...” Bocoió disse:Papai tem duas dessas...Depois Bocoió perguntou: “Ei Pelado, essa pecinha que você colocou no pito prá não vazar o ar, como chama? A resposta já foi acompanhada: “Isso é uma válvula... Por acaso você vai ser Padre... Deixe de perguntar besteira menino...” Bocoió continuou falando: “Papai tem duas dessas, bem novinhas...” Fumaçando pelas ventas, cansado, suado, enfezado, Pelado ficou de pé, abriu a braguilha da calça, botou a adormecida prá fora, balançou e perguntou em voz alta, olhando nos olhos de Bocoió: “Por acaso teu pai tem duas dessas?”Bocoió ficou assustado, tirou as chinelas dos pés e colocou entre os dedos das mãos, observou que o Beco do Urso estava livre para fazer carreira, e respondeu: “Não... Papai não tem duas dessas não... Mas tem uma que dá duas dessas”.

João Dino: Histórias, Estórias, Crônicas e "causos".
 
  

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