terça-feira, 22 de janeiro de 2013

CORAÇÃO DE MÃE



Os primeiros aplausos da minha vida aconteceram na minha querida Icó-CE, quando eu, ainda criança, imitava os saudosos Teixeirinha, José Augusto, Waldick Soriano, Alcides Gerard, Cauby Peixoto, Orlando Dias, Palhaço Carequinha, Ary Toledo, Rolando Boldrim e Barnabé, entre outros grandes astros da nossa MPB e da nossa dramaturgia. Na arte de cantar, interpretar, fazer rir e fazer chorar esses astros foram mestres. Os professores de todas as escolas por onde eu passei sempre me enxergaram como artista.
Nas festinhas escolares, cantando, tocando meu violão, imitando personagens (Entre esses os próprios educadores, como era o caso do saudoso Pe. Macedo que eu imitava observando até os detalhes da dentadura frouxa e do óculos na ponta do nariz. Também a minha primeira professora Edite Soares, que eu copiei o modo como ela chupava o dedão polegar. 
Inclusive você pode imaginar que não há nada demais no vício de chupar dedo. Antigamente, muita gente praticava essa mania. Mas a chupada que Edite Soares dava no dedão, era coisa de cinema. Ela ficava virando os olhos.
Era como se tivesse sugando mel de abelha do dedão. Por muitas vezes eu tive vontade de puxar o dedão da boca dela e enfiar na minha boca prá chupar também. Criando tipos etc. 
Colecionei troféus participando dos antigos show de calouros que as prefeituras promoviam nas cidades por ocasião das festas municipais. Certa vez a justiça se fez: Eu fui o primeiro colocado e ganhei um violão Giannini, cantando no carro-teatro móvel da Mobralteca.
Na época, uma carreta saiu do Rio de Janeiro percorrendo o Nordeste, caçando talentos. Wando, Djavan e muitos outros artistas surgiram através desse projeto do Governo Federal. Só que eles tiveram coragem e ganharam o mundo. Eu me casei e fui trabalhar para criar meninos. A história do pequeno burguês de Martinho da Vila parece muito comigo. Isso não me fez infeliz. 
Meus filhos são a razão da minha vida. Mas enquanto cantava, tocava violão, representava, fazia palhaçadas, eu nunca parei de estudar nem de trabalhar. 
Passei em vários concursos no início dos anos 80. Escolhi o Banco do Brasil porque sempre foi o melhor emprego deste país. Assumi o cargo de posto efetivo na Agência de Cajazeiras (PB). Naquela região, os competentes profissionais das rádios do Alto Piranhas da Paraíba logo me descobriram. 
Vieram os convites para participar dos programas de auditórios. Em resumo, eu costumo dizer que o cantor/ator João Dino nasceu em Icó-CE, no dia 13.12.55. Porém o profissional seresteiro surgiu na AABB de Cajazeiras em maio de 1982, numa festa organizada pelos funcionários do BB, em homenagem ao dia das mães. 
E a confirmação de tudo que hoje eu sou na música se deu na Estância Termal do Hotel Turístico de Brejo das Freiras, quando eu comecei a ganhar cachês para cantar, nesse mesmo ano.
Durante o período de 82 a 91 eu selecionei as 10 músicas que mais o público solicitava nas minhas serestas, e também o hino “Oração de são Francisco” que eu cantava como solista do coral estudantil de Antenor Navarro (PB), sob a regência do Maestro José Renato da Nóbrega.
Com uma reserva de U$ 10.000,00 economizados ao longo desses dez anos, eu coloquei na cabeça que iria gravar um LP, em Fortaleza (CE). 
E concretizei esse projeto de vida.Em agosto de 91, eu coloquei meu ônibus na estrada do RN rumo a capital alencarina, conduzindo 08 músicos, 16 rapazes e 20 moças componentes do coral, para gravar o meu 1º LP.As gravações foram realizadas em três dias. 
E naquela ansiedade de mostrar aos meus conterrâneos e familiares o resultado da primeira batalha vencida, eu decidi voltar pela BR-116.Nessa época, meus amigos, correndo contra o tempo para juntar esses dólares, eu visitava meus familiares uma, duas vezes por ano. 
Eram em média dez serestas por mês, e sem faltar no meu emprego.Com receio de algum imprevisto nas gravações eu não avisei a ninguém sobre essa viagem. Foi tudo em segredo.Nós saímos de Fortaleza as 5 horas da manhã quando terminamos de gravar a última música. Pé na estrada. 
Eu ansioso para mostrar a fita gravada aos meus conterrâneos. E os paraibanos naquela expectativa para conhecer a centenária Icó e os seus sobrados antigos. 
Porque eu sempre contei muitas histórias engraçadas dos meus familiares, as moças do coral queriam conhecer D. Anete, minha mãe, a qualquer custo. Mãe sempre foi de um alto astral invejável. 
Mãe era uma espécie de porta-voz de todas as fofocas do Bairro do Rosário. Jamais guardou segredo. Para ouvir uma confissão de alguém ela garantia: "Minha boca é um túmulo". No dia seguinte o segredo daquela pessoa já era. 
Ela completou 73 anos no último dia 1º de maio. Mas a língua ainda é perigosa.A expectativa era tanta que até eu estava bastante emocionado.11:00 h. da manhã, estou eu mesmo dirigindo o ônibus, quando a 100 metros lá de casa eu percebi alguma movimentação estranha.Por um momento ouvi o Nêgo Ronaldo, um grande amigo da nossa família, porém muito fofoqueiro e fuleiro, gritando na calçada lá de casa: "D. Anete, oh D. Anete, adivinha quem está chegando aqui, agora..".
A calçada estava cheia de gente. As moças dentro do camarim do ônibus se arrumando para descer, naquela expectativa para conhecer minha mãe. E eu com a cabeça a mil por hora, analisando que circo era aquele. Meus amigos, mãe tinha chegado da missa. Por lá ela tinha ouvido o Pe.Macedo falar alguma coisa sobre matrimônio sagrado e indissolúvel, batizado de meninos etc., e chegou em casa como se estivesse possuída por alguma entidade do além. Uma crise de moralismo repentina. Mãe simplesmente estava botando prá fora lá de casa todos os meus irmãos que eram separados das mulheres e que estavam vivendo no pecado, contrariando a nossa religião cristã. Traduzindo: Os amancebados. 
Três já tinham sido expulsos por ela. O caçula, tinha tomado umas pingas, estava resistindo. E o motivo da aglomeração na calçada lá de casa era isso. Mãe estava decretando: "De hoje em diante aqui em casa só entram os casados, com os meninos todos batizados, do jeito que Pe. Macedo falou, Amancebado: ra, re, ri, ro, rua". Para completar, Ronaldo dando corda: "D. Anete... E João Dino vai entrar na casa da senhora?" Pense num nêgo ruim. 
Mãe sobrando fogo e ele botando lenha na fogueira. Ronaldo gosta muito de brincadeiras. E mãe lá dentro de casa, estava pensando que era mais uma brincadeira dele. Meus amigos, quando ela botou a cabeça na janela que me viu, caiu do cavalo.
Murmurou: “Ah meu Senhor do Bonfim... Era só o que faltava... Esse menino há mais de um ano sem passar por aqui e chegar logo numa hora dessa...” Eu permaneci sentado na poltrona do ônibus com as mãos sobre o volante, mantendo a porta do carro fechada, esperando a reação dela. As moças formando fila para descer. 
Se tivesse um jeito de sumir dali eu teria feito isso para livrar minha mãezinha daquela situação constrangedora.
Ela se aproximou do ônibus e olhou dentro dos meus olhos. Percebeu que eu estava morrendo de saudade dela. Abriu a porta lá de casa e disse: "Entre meu filho..".
Ouvindo isso meu irmão caçula engrossou o pescoço: “Se a senhora deixar João Dino entrar aí é que eu não saio mesmo daqui. 
Ele é o pior de todos”. 
Mãe sempre foi mulher de uma palavra só. Mais nesse dia ela fraquejou. 
O coração amoleceu. Ela disse: “Ronaldo, me faça um favor, diga aos outros meninos que voltem aqui prá casa... É isso mesmo... Eles não prestaram porque o pai deles também nunca prestou”. 

Do livro, João Dino, Histórias,Estórias,Crônicas e "causos".
Do Cantor, Compositor, Radialista, Poeta e Cordelista, Icoense João Dino.

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